quinta-feira, 1 de março de 2012

caderno



"A jornalista Isabel Coutinho fala hoje na IlustríssimaFolha de S.Paulo sobre o "Caderno Afegão: Um diário de viagem", de Alexandra Lucas Coelho, lançamento da Tinta Negra Bazar Editorial."

DIÁRIO DE LISBOA
O MAPA DA CULTURA
À roda do prato. A cozinha como libertação do homem

TODOS OS ANOS o escritor Miguel Sousa Tavares faz um jantar de Ano-Novo para os seus amigos.
Essa tradição começou há dez anos, quando o autor de "Equador" (Companhia das Letras) comprou um monte no Alentejo. Este último jantar saiu-lhe "do pêlo".
Cozinhou nove pratos para 24 pessoas, uma ementa com sopa de lavagante, bacalhau à Brás, uma receita de perdizes com legumes estufados em vácuo, borrego caseiro, um peru criado no monte e uma canja de pombo no fim.
A preparar e a cozinhar o jantar, Miguel Sousa Tavares demorou três dias. Vem isto a propósito de seu recente "Cozinha d'Amigos" (Oficina do Livro), onde quis "desmistificar a ideia da cozinha como ciência em que é preciso estagiar três meses com o Ferran Adrià."
Começou a cozinhar depois de se divorciar. "Descobri que a cozinha, que era o território da opressão das mulheres, podia ser o da libertação dos homens."
Aproveita para contar a história à roda do prato. A relação entre ocupação do território, agricultura, caça e culinária é fascinante.
"Se você começar por desertificar o território, o resto vai atrás. A cadeia se rompe. Se não há agricultura, não há caça. Se deixarmos de ter caça porque não fazemos sementeiras para isso, deixamos de poder comer uma verdadeira perdiz brava no restaurante Fialho."
Um dia, Miguel estava a fazer safári na África e o guia disse-lhe: "Este ano choveu muito, é mau para os antílopes." O jornalista perguntou: "Por quê? Não têm mais erva para comer?" O guia respondeu: "Têm, só que a erva cresce mais e os leões escondem-se melhor."

BORDALLIANOS DO BRASIL

Como diz a letra da canção de Sérgio Godinho, "isto anda tudo ligado". Não se pode falar de culinária tradicional portuguesa e passar ao largo das faianças Bordallo Pinheiro (dos pratos que imitam folhas de couve e do boneco Zé Povinho), empresa que está a ser recuperada pelo grupo Visabeira (da Vista Alegre Atlantis, fabricante de porcelana líder em Portugal).
Depois de ter desafiado artistas portugueses, a Bordallo Pinheiro está a trabalhar com brasileiros.
O projecto chama-se Bordallianos do Brasil e faz parte da sua estratégia de internacionalização. Vik Muniz é um dos 20 que vão produzir peças de edição limitada. Esteve nas Caldas da Rainha na semana passada para criar a sua, que terá a ver com cacos.
As peças serão apresentadas, no final deste ano, em exposições em Lisboa e em São Paulo.

ELA AGORA é CARIOCA

Nunca fui a Cabul, nem a Jalalabad, nem a Candahar.
Minha amiga jornalista Alexandra Lucas Coelho foi ao Afeganistão em 2008 e contou que "Cabul parece uma aldeia em silêncio. Um cão a ladrar ao longe, um carro."
Ela foi guiada por taxistas que se chamam "zabi" e que nasceram por trás das colinas. E que disseram, como nos dizem os taxistas de Alfama: "Mas já não vivemos aqui." E andou por estradas más.
Houve momentos em que teve de tapar a cara e esteve ao lado de mulheres com o útero de fora. Viu bebés com restos de cocó seco nas nádegas e espinha bífida. Um dia acordou com tiros atrás da parede, como se estivessem no quarto.
A Alexandra, quando vivia em Lisboa, antes de nos ter trocado pelo Rio, vivia quase ao cimo da minha rua. E quando foi ao Afeganistão cortou o cabelo ainda mais curto do que quando foi ao Iraque (ela tem um dos mais longos e bonitos cabelos que conheço). Depois, lá, no avesso do nosso mundo, teve momentos em que pensou: "Que dia mais longo." Até que arrumou a bagagem e regressou.
Assim nasceu "Caderno Afegão". Tenho amigos que me abriram os olhos. Eles vão sem medo. E regressam com pesadelos, com histórias que às vezes nem conseguem contar. A Alexandra conseguiu. Seu "Caderno Afegão" acaba de sair no Brasil pela Tinta Negra.

RUBEM NA TERRA DE EÇA

"Quem passou pelo Correntes d'Escritas, encontro literário na Póvoa de Varzim, tem histórias para contar. Que o digam Zuenir Ventura, Bernardo Carvalho, João Paulo Cuenca e outros tantos que lá estiveram. A 13ª edição vai realizar-se de 22 a 25 deste mês com um brasileiro que, no Brasil, não vai a festas literárias: Rubem Fonseca.
Desde 2010 com nova editora em Portugal, a Sextante, que lhe está a reeditar a obra, o escritor esteve para vir o ano passado, mas faltou. Parece que desta é de vez.
"A Grande Arte" está nas livrarias portuguesas em nova edição, com posfácio de Mario Vargas Llosa e prefácio do escritor Francisco José Viegas, actual secretário de Cultura português, que irá condecorar o brasileiro. Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos na Póvoa de Varzim, terra onde nasceu Eça de Queirós."

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