A queda anunciadade Passos Coelho
por JOÃO LOPES, CRÍTICOHoje
Na noite de 5 de Junho, no final da declaração de derrota de José Sócrates, ouviu-se uma voz perguntar como ele encarava a perspectiva de ser alvo de... novos processos judiciais! Na prolongada decomposição televisiva da imagem de Sócrates, tratava-se apenas do milionésimo gesto de agressão ad hominem. Mas era, sobretudo, mais um sintoma da substituição do jornalismo pela fulanização obscena, o insulto velado e a insinuação torpe.
A meu ver, esta miséria mediática há muito justifica uma rigorosa demarcação da maioria da classe jornalística que, não tenho dúvidas sobre isso, não se sente cúmplice deste tipo de "valores". Mais do que isso: julgo que é tempo de a classe política, como primeira entidade visada, assumir perante os eleitores uma inequívoca condenação de tal estado de coisas.
Infelizmente, durante o consulado de José Sócrates, essa mesma classe política lidou com tudo isso através de um quase generalizado silêncio (reforçando a indiferença que já manifestara quando os mesmos métodos foram utilizados contra Pedro Santana Lopes). O PS, tendo o seu líder como principal objecto de difamação, aceitou a situação como um mal necessário. As demais forças políticas favoreceram o pior dos ci- nismos políticos, tolerando os ataques contra os "outros" e excluindo-se da questão vital, política por excelência, da sanidade do espaço social.
Nos últimos anos, tentar reflectir sobre estes problemas teve como consequência quase única ser rotulado de perigoso "socratista". Resultado? A continuada ocultação da questão de fundo: o esvaziamento de alguns dos mais básicos princípios democráticos através da transformação do espaço jornalístico (e, em particular, da televisão) num permanente "tribunal popular" que escolhe e degrada os seus réus.
Aparentemente, a classe política ainda não compreendeu que há cada vez mais linguagens televisivas que apenas procuram o conflito pelo conflito. Daí que, por vezes, essas linguagens pareçam colocar as televisões no espaço político da oposição. Não que tal possibilidade seja ilegítima. Julgo mesmo que seria mais salutar do que a agitação mediática em que passámos a viver: tudo passou a ser pretexto para sugerir um clima de dúvida, perturbação ou violência. Na noite eleitoral, a mulher de Pedro Passos Coelho, literalmente esmagada por uma bolha de repórteres, foi mesmo "solicitada" a comentar o que ia mudar na vida do marido... Num contexto assim, qualquer líder político não passa de uma figura a prazo, protagonizando, incauto, o telefilme da sua própria queda.
Dir-se-ia que cumprimos a tragédia anunciada no filme Net-work, de Sidney Lumet. Aí, um comunicador de televisão (Peter Finch), desesperado com a evolução do seu próprio meio, proclamava: "Todos os seres humanos estão a tornar-se humanóides. Em todo o mundo, não apenas na América. Nós só estamos a ir mais depressa porque somos o país mais avançado." Foi em 1976.
por JOÃO LOPES, CRÍTICOHoje
Na noite de 5 de Junho, no final da declaração de derrota de José Sócrates, ouviu-se uma voz perguntar como ele encarava a perspectiva de ser alvo de... novos processos judiciais! Na prolongada decomposição televisiva da imagem de Sócrates, tratava-se apenas do milionésimo gesto de agressão ad hominem. Mas era, sobretudo, mais um sintoma da substituição do jornalismo pela fulanização obscena, o insulto velado e a insinuação torpe.
A meu ver, esta miséria mediática há muito justifica uma rigorosa demarcação da maioria da classe jornalística que, não tenho dúvidas sobre isso, não se sente cúmplice deste tipo de "valores". Mais do que isso: julgo que é tempo de a classe política, como primeira entidade visada, assumir perante os eleitores uma inequívoca condenação de tal estado de coisas.
Infelizmente, durante o consulado de José Sócrates, essa mesma classe política lidou com tudo isso através de um quase generalizado silêncio (reforçando a indiferença que já manifestara quando os mesmos métodos foram utilizados contra Pedro Santana Lopes). O PS, tendo o seu líder como principal objecto de difamação, aceitou a situação como um mal necessário. As demais forças políticas favoreceram o pior dos ci- nismos políticos, tolerando os ataques contra os "outros" e excluindo-se da questão vital, política por excelência, da sanidade do espaço social.
Nos últimos anos, tentar reflectir sobre estes problemas teve como consequência quase única ser rotulado de perigoso "socratista". Resultado? A continuada ocultação da questão de fundo: o esvaziamento de alguns dos mais básicos princípios democráticos através da transformação do espaço jornalístico (e, em particular, da televisão) num permanente "tribunal popular" que escolhe e degrada os seus réus.
Aparentemente, a classe política ainda não compreendeu que há cada vez mais linguagens televisivas que apenas procuram o conflito pelo conflito. Daí que, por vezes, essas linguagens pareçam colocar as televisões no espaço político da oposição. Não que tal possibilidade seja ilegítima. Julgo mesmo que seria mais salutar do que a agitação mediática em que passámos a viver: tudo passou a ser pretexto para sugerir um clima de dúvida, perturbação ou violência. Na noite eleitoral, a mulher de Pedro Passos Coelho, literalmente esmagada por uma bolha de repórteres, foi mesmo "solicitada" a comentar o que ia mudar na vida do marido... Num contexto assim, qualquer líder político não passa de uma figura a prazo, protagonizando, incauto, o telefilme da sua própria queda.
Dir-se-ia que cumprimos a tragédia anunciada no filme Net-work, de Sidney Lumet. Aí, um comunicador de televisão (Peter Finch), desesperado com a evolução do seu próprio meio, proclamava: "Todos os seres humanos estão a tornar-se humanóides. Em todo o mundo, não apenas na América. Nós só estamos a ir mais depressa porque somos o país mais avançado." Foi em 1976.
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