sexta-feira, 3 de junho de 2011

AEDH DESEJA OS TECIDOS DOS CÉUS

Fossem meus os tecidos bordados dos céus,
Ornamentados com luz dourada e prateada,
Os azuis e negros e pálidos tecidos
Da noite, da luz e da meia-luz,
Os estenderia sob os teus pés.
Mas eu, sendo pobre, tenho apenas os meus sonhos.
Eu estendi meus sonhos sob os teus pés
Caminha suavemente, pois caminhas sobre meus sonhos
.

William Butler Yeats

Cara Maria,

Estás indecisa, eu sei. Percebo que te faltam razões para o entusiasmo que a tua idade merece. Lembro-me que quando eu tinha a tua idade já estava desactualizada aquela frase do Willy Brandt em que ele diz que “Quem não é comunista aos 20 não tem coração, e quem não é social-democrata aos 40 não tem cabeça”. O comunismo já se tinha revelado em toda a sua podridão, aquilo nada tinha a ver connosco. Mas ainda assim tínhamos direito às nossas utopias, ainda assim acreditávamos que o mundo que a nossa geração se encarregaria de construir seria bem melhor do que aquele que herdávamos. No meu caso, o meu cantinho de utopia tinha a ver com um mundo mais desenvolvido. Parecia-me razoável que no século XXI houvesse menos gente a morrer de fome, menos pais a ver os filhos condenados a repetir a vida de miséria que tinha sido a deles. Ainda acredito, mas é fascinante como tudo tem evoluído. Sou menos utópico, mais pragmático e concreto. A coisa avança, é certo, mas muito menos do que eu tinha direito a ambicionar. Mas aquilo que mais me aflige não é que tenhas ambições ou ideias diferentes das minhas. Bem estranho seria se na tua geração pensassem apenas como na minha. O que me aflige é outra coisa. É a sensação que não tiveste direito às tuas utopias. A sensação que te obrigamos a ser pragmática antes do teu tempo, a assumir nos teus ombros o peso das grandes decisões antes mesmo de poderes testar a tua criatividade e dar asas à tua energia.



Mas olha Maria, partilho contigo um segredo. São muito mais fáceis as utopias quando vêm desoneradas, livres de responsabilidades de maior. Não devem ser subestimadas quando aparecem desta maneira, pois não são menos potentes por isso. Mas são mais valiosas aquelas que nos colocam à prova, as que nos obrigam ao confronto imediato com os duros factos da vida. Tinhas direito às outras, às utopias belas e livres de encargos, mas o que te saiu na rifa não foi isso. Tiveste de te adaptar à expectativa do embate frontal, do confronto sem espaço de recuo ou margem de manobra, em que o teu mundo melhor quase que desaparece porque se sentam em cima dele os encargos do presente. Não vale a pena dizer-te que esta é que foi a regra ao longo da história e que em todas as geografias apenas excepcionalmente foi de outra maneira. Mesmo hoje é assim em quase todo o lado. Sabes isso, mas tinhas direito a outra coisa.

E agora?

Bem, agora temos estas eleições a 5 de Junho, e era sobre isso que te queria escrever.



Como sabes, não sou neutro nesta contenda. Há seis anos que estou no Governo, e tenho muito orgulho naquilo que pudemos fazer em muitos domínios. Respondo com alegria e convicção por aquilo que o MNE tem sido ao longo destes anos: demos continuidade e fizemos sobressair aquilo que a nossa política externa tem de melhor. Mas não sou clubista, e nunca me acusaram de ser faccioso ou de perder as faculdades de raciocínio em matéria política. Cometemos alguns erros, claro que sim, foram seis anos. Mas foram seis anos em que enfrentámos ventos extremamente adversos e se olharmos para aquilo que aconteceu entre 2002 e 2005, quando as circunstâncias eram bem mais fáceis, acho que temos razões muito fundamentadas para duvidar que a aliança PSD-CDS teria feito melhor.

Mas voltemos à questão.



Votar ou não votar. Disseste-me no outro dia que vários amigos teus se recusam a votar, porque acham que através da abstenção, ou talvez do voto em branco, chamarão a atenção dos partidos para a necessidade de se reinventarem. Puro engano, permita-me que te diga deste modo taxativo. Quem não vota não conta, e os votos em branco também não contam. É para esse lado que os partidos dormem melhor. A nossa lei eleitoral desvaloriza completamente o voto em branco, não o distinguindo, para qualquer efeito prático, da abstenção ou do voto nulo. Podes dizer que a lei deveria de ser corrigida a esse respeito, e eu até posso concordar contigo (aliás, concordo mesmo) mas o facto é que no domingo vamos votar com a lei que existe. Portanto, minha cara Maria, acho que deves dizer aos teus amigos para não desperdiçarem o seu voto no domingo.



A governação destes próximos anos depende de uma ampla base de apoio. Acho que está aqui a chave para o nosso futuro. Há diferentes momentos na vida de um país. Nos momentos difíceis, nos momentos que exigem transformações profundas e de grande alcance, é fundamental avançar com o maior grau possível de consenso. Em momentos menos decisivos (em momentos de “política normal”), o combate eleitoral pode dar-se ao luxo de ser menos inclusivo porque já existe uma base de consenso que forma o sustentáculo da governação. Neste caso temos de estar preocupados quando vemos que o combate eleitoral parece ignorar por completo a natureza dos desafios que temos pela frente. Ao longo de décadas o nosso sistema político-partidário tem revelado pouca capacidade para escutar, compreender e liderar o processo de transformação do país. São os partidos que temos, e é também a comunicação social que temos. Agora, em minha opinião, uma questão fundamental para o eleitor é esta: como é que se produz, a partir destas eleições, uma base de consenso alargado? PS e PSD representam qualquer coisa como 30-35% do eleitorado cada; desde logo, isto significa que ambos devem pertencer à tal base alargada de apoio – há múltiplas fórmulas possíveis para isso, não vale a pena agora especular sobre se devem ambos estar no Governo ou se algum outro mecanismo é preferível. Ora, atendendo a que o PSD está ferozmente a lutar por afastar o PS de qualquer base de entendimento, creio sinceramente que deve sofrer uma penalização por isso. Já quanto ao CDS verificamos uma posição mais subtil mas também mais oportunista: qualquer resultado é bom desde que o CDS vá para o Governo. Como não é essa a questão central, também não vejo que o voto que se preocupa em contribuir para a governabilidade do país deva ser dirigido ao CDS. O PS, por outro lado – em parte pela difícil experiência de governar em minoria num momento transformativo do país – tem plena consciência desta realidade. Esta razão – o problema da governabilidade do país – parece-me por si só suficiente para colocares seriamente a possibilidade de votar no PS.



A estratégia do PSD é exclusivamente anti-Sócrates e anti-PS, e funciona a vários níveis. No nível mais primário é uma pura táctica eleitoral. O PS está no poder há seis anos, Sócrates é uma figura polarizadora (mas repara que isso significa que ele tem também muitos admiradores) e o PSD calculou que podia maximizar os seus votos personalizando a campanha. É tremendamente redutor, e além disso mostra pouca confiança nos seus próprios argumentos. Em alguns casos é mesmo doentio – viste na televisão a Manuela Ferreira Leite a dizer que nem estava interessada no Passos Coelho, o que ela queria era tirar de lá o Sócrates? Até tive pena do Passos Coelho, coitado, pôs-se logo a consultar o telemóvel para ver se tinha alguma mensagem. Não é que ele não merecesse depois das rasteiras que ele pregou à MFL em 2009 quando era ela a líder do partido, mas enfim, foi demasiado cru e ele percebeu que assim não vai lá. Mas para além do ódio destilado e do chico-espertismo da táctica eleitoral, o PSD tem uma outra lógica, que recusa aquilo que eu dizia há pouco sobre a criação de uma base de consenso alargado. O que PPC pretende é uma maioria com o CDS que lhe permita, à socapa do acordo com a troika, adoptar um programa de liberalização radical, e portanto não lhe convém essa tal base de apoio mais alargada. É um erro grave, porque em vez de atenuar vai agravar a conflitualidade social, e dentro de um ano ou dois tem tanta gente na rua que o Governo cai novamente e mostramos aos nossos credores que somos incapazes de nos entendermos.



Disseste-me também que alguns dos teus amigos vão votar no Bloco, mas que não conheces ninguém a pensar votar no PC. Olha, quanto ao PC, não me surpreende, isso já não tem a ver contigo nem com a tua geração. Já no caso do Bloco acho que tens razão em sentires que não faz sentido repetir o teu voto de 2009. Essas eleições eram outras, havia outras matérias em causa, e tu tinhas a esperança de que o Bloco iria evoluir, que não seria para sempre apenas um partido do contra, confortavelmente longe de qualquer responsabilidade governativa. Na realidade o Bloco não consegue ser outra coisa senão um partido de protesto, e toda a gente percebe que não é disso que o país precisa neste momento. Aliás eles próprios também perceberam mas foi só nestes últimos meses, e isso vê-se quando olhas para as “propostas” que eles apresentam, coisas feitas em cima do joelho em torno de slogans simplistas e desactualizados. “Renegoceie-se a dívida!” exclamam eles. Pois olha, também eu gosto da Alice no País das Maravilhas, mas daí a convidar o Lewis Carrol para fazer um programa de governo… Será que não entendem que a reestruturação da dívida teria consequências brutais sobre o custo do dinheiro para todos nós? Que o crédito à habitação e ao consumo passaria a ser muito mais caro? Que as empresas teriam muito maior dificuldade em investir e que o desemprego aumentaria necessariamente? A resposta pode ser benévola ou malévola. A benévola consiste simplesmente em dizer que isto é só uma táctica eleitoral com que eles pensam granjear uns votos, é um parasitismo eleitoral em relação a pessoas que se sentem num beco sem saída, com o BE a funcionar à moda da IURD, proclamando que têm a salvação. A resposta malévola é mais complicada, tem a ver com a ideia de que quanto pior melhor, quanto mais miséria houver mais ela pode ser mobilizada … Francamente não sei qual é a resposta correcta. O Bloco é uma grande misturada e o mais provável é que seja um bocadinho de tudo – é por isso aliás que eles têm dificuldade em passar do registo do protesto para o das propostas sérias. De todas as formas concordo contigo, o Bloco hoje nada tem a contribuir para a governabilidade do país. Tu achas que no futuro ainda pode vir a ter. Pela minha parte não sei, desconfio que não, mas de qualquer dos modos ambos sabemos que nestas eleições o Bloco vai perder muitos votos, e que não terão nem o teu nem o meu.



Ora em que é que ficamos Maria? Gostarias de votar entusiasmada e não vês como, não é? Percebo, mas acho que o mais importante neste momento é darmos a nós próprios, ao País, espaço para respirar e para voltar a poder construir a utopia de cada um, para que possas ter direito às tuas utopias, para que possas sentir o entusiasmo que te faz falta neste momento. E isso significa cada um de nós assumirmos a nossa pequena parte de responsabilidade na governabilidade do país. É por isso que no domingo eu voto no PS. Por aquilo que temos vindo a conversar ao longo dos tempos estou convencido que vai ser esse o teu voto também.

Um grande beijo,

João C.

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